Pelo menos 64 pessoas morreram e 81 foram presas nesta terça-feira (28) durante uma megaoperação das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho (CV), nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte da capital fluminense.
A ação, que mobilizou 2,5 mil agentes e cumpriu cem mandados de prisão em uma área de nove milhões de metros quadrados, foi classificada pelo governador Cláudio Castro (PL) como a “maior operação das forças de segurança do Estado”.
Criminoso do Espírito Santo morre durante operação no RJ
Entre os mortos está Alisson Lemos Rocha, conhecido como Russo ou Gordinho do Valão, traficante capixaba do município da Serra (ES). Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), ele era foragido e era investigado pela morte de Rafael Alexandre da Cruz, de 25 anos, em abril deste ano. Alisson havia integrado o Primeiro Comando de Vitória (PCV), mas não fazia parte da cúpula da organização.

Várias vítimas e materiais tirados de circulação
De acordo com a Polícia Civil, quatro policiais estão entre as vítimas. Há também registros de moradores baleados durante os confrontos, que ocorreram principalmente em áreas de mata. Segundo o governo, 93 fuzis e grande quantidade de drogas foram apreendidos.


Operação e confrontos
Durante a manhã, criminosos reagiram à ofensiva policial com ataques de drones, barricadas e veículos incendiados. Alguns foram vistos fugindo em fila indiana da Vila Cruzeiro.
A Avenida Brasil chegou a ser bloqueada, e o Centro de Operações do Rio (COR) elevou o nível de alerta da cidade para nível 2, numa escala de cinco. Nossa equipe teve acesso ao vídeo que mostra o momento exato do ocorrido. Confira o vídeo.
Vídeo Instagram ES na Fita:
Polícia nas ruas
O governo estadual determinou a suspensão de atividades administrativas da Polícia Militar para colocar todo o efetivo nas ruas.
Entre os presos estão Thiago do Nascimento Mendes, o Belão, apontado como uma das lideranças do CV, e Nicolas Fernandes Soares, operador financeiro de um dos chefes do tráfico.
Quem eram os policiais mortos
Marcus Vinícius Cardoso de Carvalho, de 51 anos, era agente da Polícia Civil desde 1999. Ele iniciou a carreira na Delegacia de Repressão a Entorpecentes, passou pelo 18º DP (Praça da Bandeira) e atualmente chefiava o Setor de Investigações do 53º DP, em Mesquita.
Carvalho havia sido promovido internamente na véspera da operação, alcançando o cargo de comissário de polícia — o mais alto posto para um investigador. O agente foi atingido por um tiro na cabeça e morreu no local.

Rodrigo Velloso Cabral, de 34 anos, estava na corporação havia apenas 40 dias. Lotado no 39º DP (Pavuna), o policial civil foi baleado na nuca durante o confronto. Ele deixa esposa e uma filha.

Entre os agentes do Bope mortos, está o sargento Heber Carvalho da Fonseca, de 39 anos. Especialista em tiros de precisão, Fonseca foi atingido durante o tiroteio no Complexo do Alemão. A Polícia Militar lamentou a perda, destacando o “legado de coragem, lealdade e compromisso com a missão policial militar”. Ele deixa esposa e filhos.

O outro policial militar morto foi o sargento Cleiton Serafim Gonçalves, de 42 anos, também integrante do Bope e com especialização em tiros e apoio tático. Cleiton foi atingido no abdômen e não resistiu. Em nota, a PM afirmou que o agente “honrou a farda com coragem, lealdade e compromisso inabalável com a segurança da sociedade”. Ele deixa esposa e uma filha.

Repercussão e críticas
A alta letalidade da operação levou o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) a pedirem explicações ao governo do Rio.
Os órgãos cobram informações sobre o planejamento da ação, o uso de câmeras corporais, a presença de ambulâncias e o cumprimento das normas estabelecidas na ADPF 635, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que prevê medidas de redução da letalidade policial.
Em resposta, Cláudio Castro criticou a decisão do STF, chamando a ADPF de “maldita” e afirmando que ela “limita a ação policial e favorece criminosos”.
Entidades de direitos humanos repudiaram a operação, classificando-a como “chacina”.
Em nota, 27 organizações, entre elas a Justiça Global, afirmaram que a ação “reforça uma política de segurança baseada na morte e no medo, que atinge principalmente populações negras e empobrecidas”.
A Human Rights Watch também criticou a operação.
“O Ministério Público deve investigar as circunstâncias de cada morte. Operações desse tipo, que vitimam civis e policiais, não tornam o Rio mais seguro”.
disse César Muñoz, representante da entidade no Brasil.
A operação mais letal em 35 anos
Segundo levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni/UFF), a operação é a mais letal registrada desde 1990 na região metropolitana do Rio.
O grupo destacou que as três ações policiais mais letais da história do Estado ocorreram sob o governo de Cláudio Castro — Jacarezinho (2021), Penha (2022) e a atual.
Desde 2007, o Geni/UFF contabiliza 2.905 civis e 31 policiais mortos em 707 operações com mortes na região metropolitana.
Para os pesquisadores, o padrão revela “uma política ineficiente, custosa e marcada pelo descaso com a vida de moradores de favelas”.
Troca de acusações entre governos
O governador Cláudio Castro afirmou que o Rio está “sozinho” no combate ao crime e criticou o governo federal por não oferecer apoio.
disse.
“Infelizmente, não temos auxílio de blindados nem de forças federais. O Rio de Janeiro está completamente sozinho”.
Já o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, negou ter recebido qualquer pedido de ajuda do Estado.
“Não houve solicitação formal. Nenhum pedido foi negado. O governo federal tem fornecido equipamentos e transferido líderes de facções para presídios federais”.
afirmou.
Lewandowski classificou a operação como “cruenta” e defendeu que o combate ao crime seja feito com “planejamento, inteligência e coordenação”.
Críticas da sociedade civil
Para Isabelly Damasceno, coordenadora da ONG Movimentos, a ação foi “uma política de extermínio, não de segurança”.
“Não podemos naturalizar uma operação que mata mais de 60 pessoas. Isso não é inteligência policial, é tragédia”.
afirmou.
Ela destacou os impactos na vida de moradores das comunidades, que “acordaram sob tiroteio, sem poder trabalhar ou estudar”.
Comando Vermelho: origem e expansão
O Comando Vermelho (CV) surgiu no presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, nos anos 1970, formado por presos comuns e políticos.
Inicialmente, pregava “Paz, Justiça e Liberdade”, mas se transformou em uma organização criminosa voltada ao tráfico de drogas.
Hoje, o CV é considerado a maior facção do Rio de Janeiro e uma das principais do país, com ramificações em todos os estados brasileiros.
Reportagem de O Globo mostrou que o grupo expandiu seu domínio sobre 89 localidades em 23 km² — três vezes o tamanho de Copacabana — e passou a atuar também em serviços ilegais como internet, transporte e gás, antes controlados por milícias.
